AliBaba

AliBaba e os seus quarenta amigos, mais os que se vão juntando ao grupo, merecem uma atenção especial. Este é um observatório atento Às MANOBRAS.

2005-02-01

Os votos, entre as armas e as mesquitas

Os iraquianos votaram. As eleições - vamos considerar assim o que aconteceu - decorreram em plena ocupação militar do seu país por potências estrangeiras, com a manipulação religiosa que se conhece, sem meios de comunicação social que assegurem uma informaçao plural, com a resistência de importantes sectores e áreas do país às soluções impostas pelos ocupantes e com sucessivos episódios sangrentos a marcarem cada dia que passa. Neste contexto a expressividade dos números de votantes - nem vale a pena discutir os números - tem duas leituras possíveis : o povo venceu o medo ou o medo venceu o povo. A primeira leitura, mais do agrado das potências invasoras, apela à memória da luta pela liberdade, património de muitos povos ao longo da história e que entre nós teve um momento mais alto com o 25 de Abril. Desta forma também se justifica, a posteriori, a bondade da invasão. Esta é a abordagem mais generosa e romântica . Por mim acredito que terão sido muitos os iraquianos que vencendo o medo votaram. Quantos ? Não sei, mas a história encarregar-se-á de um dia nos mostrar a real expressão de quem agiu com coragem. Mas a outra leitura, possível e cruel, lembra-nos quanto a crença religiosa levada a extremos pode obrigar os seus crentes a fazer. Em nome de Alá, em cada mesquita, pode ter havido, quase seguramente houve, vozes interpretando a vontade divina, com a ordem de voto e a promessa do céu ou, por outro lado, com ameaça do inferno. O fanatismo religioso, alimentado nas mesquitas, prolongou-se seguramente na constituição de partidos, nas listas de candidatos, na campanha dita eleitoral e terá vencido os iraquianos por temor a Alá. As armas alinhadas ao lado dos favoritos - o novo poder !? - estabelecem um quadro de ausência de liberdade para o exercício da actividade política no seu sentido mais amplo e nobre. Um exército ocupante jamais pode invocar neutralidade numa situação deste tipo porque inibe os que se opõem à sua presença de se manifestarem e assumirem as suas posições. Por mim acredito que terão sido muitos os iraquianos que vencidos pelo medo votaram. Quantos ? Também não sei.
Tão cedo as armas estrangeiras não vão deixar o Iraque. Porque não querem e porque não podem. Não querem, enquanto não estiver assegurada a manutenção da sua influência naquela região por outras vias, e não podem, enquanto não se reconstituir totalmente o aparelho de estado e um novo poder com todas as suas componentes. Quer a manutenção da influência na região por outras vias - diplomáticas e económicas - , quer a reconstituição do aparelho de estado são tarefas inexecuíveis nas actuais condições. A ameaça de um alinhamento, do novo poder no Iraque, com o Irão, é real e não vejo o que poderá garantir às potências invasoras que tal ameaça se não concretize com as consequências que facilmente se imaginam. Por outro lado a reconstituição do aparelho de estado e do novo poder tem, na divisão do país, um obstáculo praticamente intransponível. Curdos, sunitas e xiitas de novo mostraram em todo este processo quão profundo é o fosso que os separa.
A condenável invasão do Iraque não só não resolveu nenhum problema como veio criar outros bem mais graves. A instabilidade instalou-se naquela região para ficar. Enquanto houver petróleo para extrair vamos ter o longo braço armado dos interesses norte-americanos em acção. Já não é possível voltar atrás e tão cedo não vai ser possível andar para a frente, ou seja, promover a paz e a democratização em toda aquela região.
Enquanto os interesses económicos o determinarem os votos estarão entalados entre as armas e o fundamentalismo religioso. A democracia já teve melhores dias.